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Mercúrio |
A química bioinorgânica propõe-se investigar a ação biológica dos elementos da tabela periódica que usualmente não fazem parte dos ciclos biológicos conhecidos.
O estudo de elementos como os metais pesados é de suma importância, por exemplo, em 1956 no Japão, verificou-se um lamentável acidente ambiental e humanitário provocado por uma intoxicação com mercúrio. Durante décadas, o mercúrio fora lançado na baía de Minamata pela companhia Chissa, uma multinacional produtora de plásticos (PVC) e acetaldeído. O mercúrio acumulado nos sedimentos da baía foi sendo transformado por ação bacteriana em metil-mercúrio (composto lipossolúvel e altamente tóxico), daqui à sua introdução na cadeia alimentar foi um pequeno passo. Os pescadores alimentando-se dos peixes desta região acumularam este metal no seu organismo provocando sintomas de envenenamento e morte, inclusive (a revista Environment referiu, em Abril de 1978, que o número de vítimas ascendia a 1046).
É atentando em situações catastróficas como esta que se compreende a crucialidade das investigações relativas a estes elementos.
Existem elementos que ocorrem irregularmente nos tecidos vivos e podem ser acumulados por certas espécies de plantas ou animais. Entre estes encontram-se o alumínio, bário, chumbo e lítio, considerando-se que estas espécies são adquiridas pelo contato com o ambiente, seja por processos físicos (partículas inaladas, contaminação de pele, cabelo ou unhas por fumo ou pó, etc.) ou por processos químicos.
Estes elementos entram em competição com as espécies de reatividade semelhante podendo ocupar o lugar destas últimas. Uma das teorias de evolução afirma mesmo que o uso dos elementos apenas depende das condições externas ao organismo. Na condição de ocorrer uma mudança ambiental, o ser deve conseguir adaptar-se e passar a utilizar o elemento mais abundante e disponível em detrimento de qualquer outro até aquele ponto usado (crê-se que o uso do oxigênio começou precisamente por um processo idêntico). Os elementos ditos pesados são de rara ocorrência natural em biologia. Desta forma, a sua presença no organismo humano não é assinalável. Não obstante, estes elementos podem ter potencialidades como por exemplo, na forma de medicamentos.
O funcionamento das células, assim como a sua estrutura, pode ser influenciada de várias formas com o aumento da concentração de um determinado elemento tóxico, como por exemplo o cádmio, chumbo e mercúrio. Consequentemente, poderão ocorrer as seguintes manifestações:
inibição de enzimas por ação de metais pesados (no centro ativo);
ligação a outros radicais das enzimas alterando a sua conformação e reatividade;
substituição de determinados grupos nas moléculas biológicas;
formação de precipitados com metais das enzimas ou outros grupos envolvidos no metabolismo;
catálise da decomposição de metabolitos alterando a sua permeabilidade;
substituição dos elementos com funções eletroquímicas;
Em relação à localização intracelular dos elementos metálicos, quer se trate de animais ou de plantas que vivem em ambientes naturais ou artificialmente poluídos, verifica-se que enquanto nos animais o sistema lisossomal desempenha um papel fundamental no sequestro desses poluentes, a nível vegetal a localização pode ocorrer a nível da parede celular do núcleo das células não diferenciadas ou simplesmente dos vacúolos.
Um efeito comum que advém da intoxicação por metais pesados é a alteração do tamanho e da forma da célula e a consequente interferência com a divisão celular, nomeadamente para os organismos unicelulares. Podemos referir outras alterações, como por exemplo a desintegração dos cloroplastos por ação do Hg (mercúrio), a alteração do sistema lamelar dos cloroplastos por ação do Pb (chumbo), a alteração das cristas mitocondriais pela ação do Cd (cádmio).
Um dos exemplos mais conhecidos do perigo dos metais pesados é o que relembra o Chapeleiro Maluco, personagem criada por Lewis Carroll para o seu livro Alice no País das Maravilhas. Os sintomas de desordem psíquica dever-se-ão ao envenenamento por mercúrio o qual era comum nos artesãos devido ao uso de soluções de compostos de mercúrio como agentes depilatórios na preparação das peles para o fabrico de chapéus.[2]
Num campo oposto, encontramos os metais pesados como aplicações medicinais. Neste caso, duas importantes drogas farmacêuticas baseadas em metais sem função biológica conhecida são a cis-platina (Pt) e a aurofina (Au), que são amplamente usadas no tratamento de tumores cancerígenos e na artrite reumatoide, respectivamente. Além do mais, compostos de íons metálicos radioativos como o 99mTc e complexos de metais paramagnéticos como o Gd (III) – gadolínio- são usados cotidianamente como agentes de diagnóstico de doenças.
Houve tempos, ainda, nos quais se usaram placas de prata como estruturas de suporte em operações cirúrgicas (placas para ossos partidos).
Alguns Elementos Não Biológicos
Alumínio (Al)
Não é muito tóxico em níveis normais, embora não seja considerado como essencial. Investigações recentes implicam a presença e atuação do alumínio na doença de Alzheimer e outras síndromes cerebrais e de senilidade, não há indicação de carcinogenicidade para o alumínio. Sabe-se ainda, que este metal pode reduzir os níveis de vitaminas ou ligar-se ao DNA.[1]
Arsênio (Ar)
Existe naturalmente em pequena quantidade em vários alimentos: camarão (19 ppm – partes por milhão), milho (0,4 ppm). O arsênio e os metais pesados devem a sua toxicidade à sua capacidade de reagir e inibir sistemas enzimáticos de sulfidrila (-SH), tais como as envolvidas na produção de energia celular.[1]
A toxicidade do arsênio depende do seu estado químico. Enquanto o arsênio metálico e o sulfureto de arsênio são praticamente inertes, o gás AsH3 é extremamente tóxico. De um modo geral, os compostos de arsênio são perigosos, principalmente devido aos seus efeitos irritantes na pele. A toxicidade destes compostos é principalmente devido à ingestão e não à inalação embora deva haver cuidados de ventilação em ambientes industriais que usem compostos de arsênio.[3]
Chumbo (Pb)
É uma neurotoxina, sendo disseminada pela corrente sanguínea. Parte deste metal é armazenado no fígado e tecidos moles, sendo geralmente transportada para os ossos, desalojando o cálcio. Face a isto não é de estranhar que a concentração de chumbo no corpo aumente com a idade.
Em sistemas aquáticos, o comportamento de compostos de chumbo é determinado principalmente pela hidrossolubilidade. Concentrações de chumbo acima de 0,1mg/L inibem a oxidação bioquímica de substâncias orgânicas, e são prejudiciais para os organismos aquáticos inferiores. Concentrações de chumbo entre 0,2 e 0,5mg/L empobrecem a fauna, e a partir de 0,5mg/L a nitrificação é inibida na água.[3]
Cobre (Cu)
As fontes de cobre para o meio ambiente incluem corrosão de tubulações de latão por águas ácidas, efluentes de estações de tratamento de esgotos, uso de compostos de cobre como algicidas aquáticos, escoamento superficial e contaminação da água subterrânea a partir de usos agrícolas do cobre como fungicida e pesticida no tratamento de solos e efluentes, além de precipitação atmosférica de fontes industriais.
As principais fontes industriais são as indústrias de mineração, fundição, refinaria de petróleo e têxtil. No homem, a ingestão de doses excessivamente altas pode acarretar em irritação e corrosão da mucosa, danos capilares generalizados, problemas hepáticos e renais e irritação do sistema nervoso central seguido de depressão.[3]
Ferro (Fe)
O ferro, em quantidade adequada, é essencial ao sistema bioquímico das águas, podendo, em grandes quantidades, se tornar nocivo, dando sabor e cor desagradáveis à água, além de elevar a dureza, tornando-a inadequada ao uso doméstico e industrial.
Magnésio (Mg)
É um elemento essencial para a vida animal e vegetal. A atividade fotossintética da maior parte das plantas é baseada na absorção da energia da luz solar, para transformar água e dióxido de carbono em hidratos de carbono e oxigênio. Esta reação só é possível devido à presença de clorofila, cujos pigmentos contêm um composto rico em magnésio.
A falta de magnésio no corpo humano, pode provocar diarreia ou vômitos bem como hiperirritabilidade ou uma ligeira calcificação nos tecidos. O excesso de magnésio é prontamente eliminado pelo corpo.[3]
Complexos metálicos radioativos
Complexos metálicos com núcleos radioativos têm muitas aplicações em medicina para visualizar tecidos como tumores e órgãos. Idealmente, os radioisótopos usados para propósitos de diagnósticos deverão ser de vida curta e emitindo fótons gama de baixa energia.[1]
A química bioinorgânica busca conhecer as propriedades e funções dos metais nos sistemas biológicos, estando estes envolvidos direta ou indiretamente nos processos bioquímicos.
Essa é uma ciência que utiliza compostos inorgânicos na medicina desde os tempos da alquimia, e cujo crescimento está relacionado à nossa necessidade de conhecermos melhor os nossos próprios processos biológicos, e os processos que ocorrem na natureza em geral.
Nesses nossos tempos de desenvolvimento do conhecimento genético e da biotecnologia associada, a bioinorgânica passará a ter um valor agregado ainda maior.
Finalmente, é indispensável uma melhor compreensão daqueles processos bioinorgânicos envolvendo metais que não ocorrem nos seres vivos, mas que podem (e alguns deles o são) utilizados farmacologicamente para o tratamento de moléstias, e daqueles que são simplesmente tóxicos e cuja intoxicação poderá ser controlada e revertida, e ainda daqueles elementos-traço cujas funções vitais ao homem e ao meio ambiente vivo são ainda desconhecidas. O trabalho dos bioquímicos inorgânicos certamente é imenso, mas suas recompensas certamente serão proporcionais.
Fonte de consulta:
[1] Pedro Costa e Pedro Sousa; Faculdade de Ciências de Lisboa; 1999.
http://www.terravista.pt/enseada/5002/inorganica/elementos/biologia.htm
[2] Baird, Colin; Química Ambiental; 2ª Ed.; Porto Alegre; Editora Bookman; 2002; Cap.7, pág.412.
[3] http://www.igam.mg.gov.br/aguas/htmls/param_quimicos.htm
[4] R.J.P.Williams, J.R.R.F.da Silva, New Trends in Bioinorganic Chemistry, Academic Press, 1978
[5] http://chemcases.com/cisplat/index.htm
[6]http://inorgan221.iq.unesp.br/quimgeral/respostas/bioinorgan.html
[7] Henry, John Bernard; Clinical Diagnosis & Management by Laboratory Methods; 9ª edição; 2001; Editora Interamericana.